Dia 54 - O fado da Mesa de Frades

Vou começar com mais pedidos de desculpas, mas dessa vez exclusivos ao meu pai, que tanto tentou nos arrastar pra ouvirmos fado com ele. Por conta de uma filha preconceituosa ele perdeu a oportunidade de, na terra de Amália, ouvir o gênero musical que a tornou uma estrela.

Já fazia um tempo eu e Lê estávamos atrás de um lugar para participarmos de um concertinho de fado. Sim, participar, porque o fado não é só pra ouvir. É uma experiência pra ser vivida.

O Leandro já tinha estado em um restaurante, o Vossemecê (Rua de Santo Antônio da Sé, 14), com os pais, para uma noite do chamado fado vadio, que é o feito por não profissionais. Lá não se paga couvert artístico, você não é obrigado a comer qualquer coisa para ouvir o fado (a comida também não é das memoráveis) e os fadistas são os próprios donos do estabelecimento, que junto ao canto, trazem as histórias das músicas e uma presença de palco importante. Em um dado momento acontece a "desgarrada", quando qualquer pessoa ali presente pode também cantar o fado. No dia em que o Lê foi ao restaurante, uma mulher que não falava português resolveu se arriscar cantando uma espécie de fado, só que em inglês. E ela arrasou.

Eu não queria repetir o lugar que ele já tinha ido e decidi que iríamos à Mesa de Frades, depois de ler a indicação do Turomaquia. O restaurante fica numa antiga capela e lá você paga um valor fixo para jantar (menu no valor de 39 euros que inclui entradas, prato principal, vinho, sobremesa e café) e assistir o fado. Fizemos nossa reserva para as dez da noite, uma hora antes do fado começar. É, geralmente começa bem tarde e não tem hora pra acabar. 

O lugar é minúsculo e lindo, com azulejos por todas as paredes e o jantar estava delicioso. Leandro comeu alheira e eu carne de porco, acompanhada de um ovo de codorna frito (óun). Adorei a sobremesa, que é uma espécie de degustação com pequenas doses de vários doces típicos. 

Quando o pessoal já tinha terminado de jantar, chegam os músicos, que ficam posicionados à porta do restaurante para começar a cantoria. As luzes se apagam, velas são acendidas e pede-se silêncio absoluto criando um clima muito especial. Nesse dia, os músicos pediram até que o ar condicionado fosse desligado, o que fez todo mundo que tava lá sofrer mais do que o necessário para a aprecisção desse tipo de música. A fadista que iniciaria os trabalhos parecia ser bem novinha e ficamos curiosos para ouví-la. Quando ela abriu a boca, a pequena sala se encheu e eu fiquei bem impressionada com sua afinação e a emoção que transmitia com sua linda voz. É muito interessante ver gente nova carregando pro futuro essa tradição tão importante. Quando a música acabava, ela mudava totalmente de postura, mostrando a menina tímida que na verdade é. 

Depois de algumas poucas músicas, houve um intervalo, o que devo admitir, nos trouxe certo alívio, porque já estávamos quase sem conseguir respirar lá dentro. Mais pessoas entraram e o lugar ficou abarrotado de gente em pé para assistir o fado. Quando o longo intervalo terminou, mais uma curta rodada de músicas no calor e novamente um intervalo, que pareciam ser alongados de acordo com a vontade dos músicos, que notamos serem um tanto quanto marrentos. 

Como geralmente vários fadistas (como são chamados os cantores) participam de uma noite dessas, apesar de termos gostado da primeira, esperávamos ouvir outras vozes, o que deixaria a apresentação mais rica pra gente, mas isso só aconteceu depois de algumas horas e a segunda fadista, apesar de uma maior presença de palco, não chegava aos pés da primeira em potência vocal. Às 2 da manhã, suados, resolvemos ir embora um pouco decepcionados com o fado do restaurante. Ficou a vontade de, na próxima vez em Portugal, procurarmos outro lugar até encontrarmos a experiência perfeita.

2 comentários:

  1. Acho que uma hora todos se rendem, pelo uma vez!!!!

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  2. Aconselho a casa de Linhares - bacalhau de molho... Os melhores nomes do fado, incluído a própria irmã da Amália.

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